PERDAS & DANOS/GANHOS

Janta comigo

Eu não vou te roubar

Só quero trocar figurinhas

É copa do mundo, meu amor

Não é dia de finados

pra você aniquilar nossas chances

e depois jantar um baseado

com hamburguer

em um dia que não se deve comer carne

no shopping que eu sou a cria

do bairro

- Todo errado

Perdoa eu chegar assim na sua festa

E sem ninguém pedir

invadir o palco

e cantar desafinada no microfone

É que estava aberto

eu achei que a gente podia só se expressar

de forma assim anárquica

Não estavávamos no The Voice

Também achei que a festa tinha sido organizada

para celebrarmos a vida

-Mau entendido

Não sei se está tentando me dizer algo

ou se está apenas tirando um sarro

Só sei que

eu não estava enganada

Fingidor,

viva e ria

por que você se tornou o esnobe

que tanto temia

Perde infinitas oportunidades

de ser foda

se contentando em ser

mais

ou menos

Embora eu saiba que tu me adora,

os fatos explicam os sentimentos

Tu demora e me devora

as horas em falsos interesses

Mas o amor

ele eu invento

um verso sempre aumento

no intento de criar

algo além da realidade

Não esquenta não

E porque deveria?

Sua forma de se importar é esquisita.

*

Gosto de perceber que estou viva

Se pulsa meu impulso de ser

Quando sinto algo novo

meu corpo antes me avisa

o que pode ou deve acontecer

Eu percebi que vivia

quando chorei por você

Sei que foi besteira minha

eu resolver sentir algo

que nem certeza eu tinha

Transbordei

e precisava

Tu ajudou a destrancar

meu coração que estava fechado.

De uma suíte master de motel

pelo espelho do teto

se encararam sem querer

com testemunhas

Em um piscar de olhos

recompuseram-se

(Não está mais aqui quem falou)

Ela gosta de se expor ao ridículo,

de viver essas aventuras,

passar por situações absurdas

Ele é passivo

(Inacreditável)

E nem de longe foi a situação mais ridícula da vida dela

A verdade quase-nua

cozida de finda

foi esfregada em sua cara:

Para quê mexer com os errado?

                                              -NO SET

Testamento

Daqui há cem anos

espero ainda estar aqui

Mas,

se eu não estiver,

sei que serei lembrada

com carinho

Sei que os porteiros

de todas as portarias

que adentrei

lembrarão de mim

em seus sonhos no céu

Nada contra os porteiros

Na verdade

eu os adoro

Mas vai me perdoar

Hoje em dia,

não servem para nada

para nada

Nem para abrir portas

Em contrapartida

sem dúvida,

é um flerte certo

para mim

A cada portaria,

uma nova chance

de ser amada

Com alguns, tenho casos

frágeis

Outros uma relação platônica

Mas cada um deles é especial

a sua maneira

De óculos ou sem

Gordos ou magros

com exceção daqueles que cultivam pássaros

são pessoas maravilhosas

Chupam rádio

Assistem bala

Escutam tv

Mas nada como uma boa dama

para apimentar os olhos

de um porteiro entediado

e respeitoso

Nada como dois ventiladores

numa tarde cotidiana

igual a todas as outras

e uma dama

que chega apressada

atrasada

Deixa seu perfume como rastro

bate sapatos

diz algumas poucas palavras

talvez seu nome e o destino

se ele estiver com sorte

Entra, invade

sem pedir licença

Aperta aquele botão

Me deixa subir

já é a vigésima vez que eu venho aqui

Parece que eles estão querendo fazer amizade

me prendendo parada neste andar sem futuro

Os taxistas a mesma coisa.

Para onde vai?

Suba por lá.

Indicam os caminhos

que devo seguir

Nada com um bom porteiro

paciente e tranquilo

para nos bem receber

Os porteiros são criaturas sábias

Experientes

Aquele famoso caso

“Já devem ter visto de tudo”

É inacreditável a cara que alguns me olham

como se eu tivesse a chave da salvação

Aquela que eles tanto procuram

naqueles molhos de chaves pesados de porteiro

Bigode de porteiro já tive

Nada contra os bigodes

Desde que sejam cheirosos

Eu sou a sedutora de porteiros,

ubers

taxistas

e motoristas de ônibus

mais charlatona que eu conheço.

A cada edifício

Ônibus

ou automóvel

Corro sérios riscos

Não vou citar os seguranças de shopping, guardadores de carros,

animadores de festa,professores da academia, astronautas de canoa,

Limpadores de piscina, marcineiros, os crushs do metrô, os vendedores de

brigadeiro, de poesia, pipoca, os barmens, marinheiros, sushimens,
rastamens, lokomens, moto-taxis, mecânicos, bombeiros, sambistas,
garis, cobradores (que estão em extinção)

muito menos os cana.

Vou fazer uma reverência aos porteiros

Pode ter certeza que

Se você sorrir

Ele sorrirá de volta.

Sinto que é recíproco

esse caso de amor e ódio

que é nutrido por nós

mas no fundo do meu íntimo

eu queria só ser invisível

e, se possível,

lembrada

me peguei pensando em você

dessa vez, 

nem mais nem menos do que já penso sempre

Quero saber como está

Com quem anda

Se pensa em mim ou se realmente namora uma criança

Por onde você anda agora?

Mesmo que eu seja para você pura arrogância,

me entende

me levanta

me deixa de lado

de quatro

me encosta, me coloca no canto

mas não esquece de mim

me lembra

me lambe

de novo

~~

Te perderia um milhão de vezes se fosse para te ter no final

ALGUÉM CANTANDO

vou atrás do meu coração
ele pede para que eu vá para a esquerda
é para a esquerda que vou

me lança a ideia para o lado direito
vou com toda força para lá

prefiro ter a convicção de que vivi
de peito aberto com coragem
sempre completa
e verdadeira
do que viver frustada sabendo que
optei estar à margem de mim
e alheia ao outro

não sou esse tipo de pessoa
que ignora
não minto para mim
- isso me faz infeliz -
não vivo de aparências
e serei
sempre
fiel a mim mesma

"Clarice e eu. O mundo não é chato" é uma adaptação para o teatro de textos de Clarice Lispector, feita por Rita Elmôr

está em cartaz no Shopping da Gávea.

Na foto: A atriz Rita Elmôr, a cara de Clarice, em sua primeira montagem aos 23 anos. 

20 anos depois, ela conta que as pessoas acham que é a Clarice na foto e a usam até hoje em diversas matérias sobre a escritora, crendo que seja ela. 
Antes de começar a peça, 
pelos corredores do teatro,
há uma pequena exposição com uns prints e links das matérias que aproveitaram sua foto!